A produção cafeeira era responsável por cerca de 70% das exportações brasileiras - /ACERVO MUSEU DO CAFÉ/DIVULGAÇÃO/JC
A crise
deflagrada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929 teve
reflexos imediatos em praticamente todos os países. Seus efeitos se espalharam
principalmente por duas vias: prejuízos no conectado sistema financeiro
internacional e a redução do comércio global, tanto pela escalada do
protecionismo quando pela redução de compras do mercado norte-americano, que
era o maior do mundo.
O Brasil foi
altamente afetado, devido ao seu caráter agroexportador. E, em 1929, o carro
chefe da economia brasileira era o café. Na fase inicial da Depressão, o café
representava cerca de 70% das exportações brasileiras, e os EUA eram nosso
maior consumidor, comprando cerca de 80% da produção. "Em 1929, a receita
em moeda estrangeira que o Brasil fazia era basicamente através do café",
lembra Simão Davi Silber, professor sênior da Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
A economia baseada na cultura cafeeira já tinha sintomas de problemas quando a crise surgiu. O elevado preço do café, que provocou entre 1920 e 1925 nova e acentuada expansão do plantio, fez com que, a partir de 1927, a oferta ultrapassasse a procura, iniciando-se a acumulação de estoques. A safra de 1927-1928 chegou a 27 milhões de sacas (quase o dobro da obtida seis anos antes), o que representou um excedente de 12 milhões de sacas sobre as exportações. Para restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura e sustentar os preços, o Instituto do Café de São Paulo recorreu à compra dos excedentes. E a safra relativamente pequena de 1928-1929, conjugada com a expansão da procura mundial, ajudou a estabilizar os preços.
"Para
proteger o café, o governo fazia aquisição dos excedentes, para vender em
tempos mais propícios. Isso saia caro para o País, que tinha que fazer empréstimo
externo para bancar essa política. Era a 'socialização dos prejuízos, para
proteger o café, a sociedade pagava a conta", lembra o professor Pedro
Fonseca, da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Ufrgs). "O governo conseguia administrar isso, pois tinha crédito no
exterior. O que a crise veio fazer foi acabar com a possibilidade de
financiamento externo", destaca.
No segundo
trimestre de 1929, calculava-se que a safra de 1930-1931 estaria em torno de 30
milhões de sacas, o que indicava a necessidade de outra intervenção caso se
desejasse manter os preços. No entanto, a simultaneidade da safra volumosa com
a depressão econômica teve como conseqüência uma pressão baixista inusitada,
fazendo com que o preço da saca do café, que era cotada a 200 mil réis, em
janeiro de 1929, desabasse para 21 mil réis um ano depois, provocando falências
de produtores, demissões de trabalhadores e redução do salário da mão-de-obra
agrícola.
No plano
político, a crise acabou dando suporte aos grupos que criticavam o governo
federal, considerado muito influenciado pelos interesses dos cafeicultores
paulistas. Apesar do candidato apoiado por São Paulo, Júlio Prestes, ter
vencido a eleição de 1930, o agravamento das dificuldades econômicas gerou
maiores condições de apoio à oposição. Com isso, a Revolução de 1930 é
facilmente vitoriosa, e o governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, é colocado
no poder.
GETÚLIO VARGAS CRIA MEDIDAS RADICAIS PARA CONTER A RECESSÃO
Getúlio Vargas
encontrou uma situação calamitosa. No quadriênio de 1927 a 1930, a receita
total de exportação do Brasil elevou-se a US$ 422 milhões de dólares, tendo o
café participado com 69%, ou US$ 293 milhões de dólares. De 1931 a 1934, a
queda de preços fez com que a média da receita cafeeira fosse de US$ 156
milhões de dólares, pouco mais da metade do que fora atingido no quadriênio
anterior. Outras exportações também sofreram com a crise, fazendo com que o
total da receita de exportação baixasse para US$ 232 milhões de dólares, sendo
que o café representou cerca de 67% desse total.
Uma das
primeiras ações que o novo governo tomou foi uma intervenção ainda mais radical
do que os governos anteriores. A fim de parar a pressão baixista nos preços, o
governo compra 18 milhões de sacas de café. No entanto, ao contrário da
República Velha, não vai estocá-las. Em junho de 1931, as sacas são queimadas na
Baixada Santista, eliminando fisicamente os estoques. Essa medida seria
repetida em 1938 e 1944, diante de novas baixas dos preços.
Além disso, o
governo foi forçado a decretar uma moratória da dívida externa, que chegou a
ser publicada na capa do jornal New York Times. O pagamento dos serviços da
dívida por três anos seria novamente anunciada em 1937.
Outra medida
que teve grande impacto foi a entrada do Brasil na guerra protecionista de
vários países da época, através de política cambial. A moeda da época, o
mil-réis, foi desvalorizada, tornando a importação de artigos estrangeiros
proibitiva. "Essa depreciação vai ser um estímulo ao aumento da indústria
nacional, a fim de suprir o mercado interno", lembra Silber, professor da
FEA-USP. Grande parte dos produtos que vinham de fora passou a ser fabricados
no País. Isso abriu caminho para o término da recessão no Brasil, em 1932, com
o crescimento da indústria.
"A
indústria já tinha começado a se desenvolver no Brasil, mas, a partir dos anos
1930, vamos começar um grande avanço industrial, com esse setor ganha espaço
econômico e político", destaca Adalmir Marquetti, do Programa de
Pós-Graduação em Economia da Pucrs. Dessa forma, no fim dos anos 1930, a
produção industrial brasileira já era o dobro do que era em 1929, abrindo o
caminho para o abandono da política concentrada no café e criando as condições
para o crescimento econômico da segunda metade do século XX.
RECESSÃO DE 2014 FOI PIOR PARA A ECONOMIA DO BRASIL DO QUE A DE 1929
Apesar de ter
sido a crise mais brutal da economia capitalista no século XX, o Brasil sofreu
menos com a quebra da bolsa de Nova York em 1929 do que em outras ocasiões de
recessão. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 2,1% e 3,3% em
1930 e 1931, respectivamente, em 1932 já registrava crescimento de 4,35% em
1933, seguido por altas de 8,9% e 9,2% em 1934 e 1935. Dessa forma, a economia
do país conseguiu se recuperar em quatro anos.
Em comparação,
após a crise de 2014, o PIB brasileiro caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Com
isso, os crescimentos de 1,1% registrados em 2017 e 2018 não conseguiram
recuperar sequer as perdas do primeiro ano da crise. Se correta a previsão da
pesquisa Focus do Banco Central, de crescimento de 0,88% em 2019 e de 2,0% em
2020, a economia brasileira só deverá se recuperar em 2021, sete anos após o
início da crise. "Espantosamente, o efeito do crash de 1929 no Brasil foi
muito menor do que a recessão de 2015/2016. A gente saiu muito mais rápido da
Grande Depressão do que dessa última crise", lembra Simão Silber, da USP.
Texto extraído de:https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2019/10/709138-crise-acaba-com-era-de-ouro-do-cafe-no-brasil.html
Fonte Figuras: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2019/10/709138-crise-acaba-com-era-de-ouro-do-cafe-no-brasil.html
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